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A banda brasiliense Móveis Coloniais de Acaju encontrou na formalização uma maneira eficaz de apoio à sua atividade (Foto: Diego Bresani)

Compreender a carreira por um ponto de vista empreendedor pode ser um diferencial para um artista ampliar sua projeção, conquistar o público, fazer negócios e viver do seu trabalho de maneira sustentável. Atentos à necessidade de maior profissionalização, segmentos da chamada economia da cultura ganham cada vez mais espaço no Brasil, focados em parcerias com os setores público e privado. Tendo a dimensão econômica como um dos eixos para sua atuação, o Ministério da Cultura (MinC) desenvolve um conjunto de iniciativas para apoiar quem faz da criatividade o seu grande capital.

O conceito de Economia da Cultura abrange um leque variado de ocupações, cuja principal matéria-prima está no repertório simbólico de territórios e povos. Fazem parte desse grupo setores como audiovisual, artes cênicas, literatura, artesanato, música e até mesmo o desenvolvimento de softwares e a área de games.

Em um país de imensa diversidade como o Brasil, a Economia da Cultura apresenta enorme potencial para o desenvolvimento econômico e social do País, gerando emprego e renda e contribuindo para transformação da realidade social. Segundo o Mapeamento das Indústrias Criativas no Brasil, de 2014, da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), o segmento responde por R$ 126,1 bilhões, algo em torno de 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB), tendo crescido 69,8% entre 2004 e 2013.

A área ainda se responsabiliza por 3,5% da cesta de exportação do País, segundo dados da Organização dos Estados Americanos (OEA). São aproximadamente 400 mil empresas, principalmente micro e pequenos empreendimentos, que geram mais de dois milhões de postos de trabalho, aproximadamente 4,2% do total, conforme o Sistema de Indicadores Culturais (SIIC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2013. A mesma fonte informa que se trata do terceiro maior item de gasto familiar. Já a FGV Projetos, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), estima em US$ 10,6 bilhões o consumo interno de cultura.

Móveis Coloniais de Acaju

Formada há cerca de 18 anos, com três discos e dois DVDs gravados, a banda brasiliense Móveis Coloniais de Acaju encontrou na formalização uma maneira eficaz de apoio à sua atividade. Os membros do grupo montaram uma empresa para gerenciar diversos aspectos do seu trabalho, como contratação de shows, finanças, produção e marketing. “Se você prestar atenção, esse modelo de banda-empresa não constitui algo necessariamente novo. Artistas como Beatles e Michael Jackson já faziam isso”, aponta Fábio Pedroza, baixista da banda.

Segundo Fábio, os dez integrantes do conjunto sempre atuaram de forma cooperada pela “instituição” Móveis Coloniais de Acaju. “Se não formos nós, quem irá conduzir nosso trabalho? A gestão faz parte da carreira e também precisa ser encarada de uma maneira inovadora e criativa”, afirma Pedroza.

Atualmente, por questões individuais, em vez de um único empreendimento, os membros optaram por cada um ter a sua empresa. De qualquer forma, Fábio Pedroza garante que todos continuam trabalhando com espírito de unidade, sempre tendo os Móveis como objetivo maior. “Não sentimos mais a necessidade de todos estarmos na mesma empresa. É apenas uma questão de modelo”, explica.

Apesar de seu grupo ter se beneficiado com a formalização, o músico não recomenda que todas as bandas saiam correndo para abrir uma empresa. “A pessoa precisa ter consciência do que a sua carreira exige. A formalização pode ocorrer de forma gradual. Primeiro, o artista tem a opção de buscar uma associação. Depois, existe a figura do Microempreendedor Individual (MEI), que permite uma primeira experiência como figura jurídica, antes de se chegar a uma empresa propriamente dita”, sugere Pedroza, que alerta: “Formalizar-se abre uma série de possibilidades, como estruturar melhor os shows e emitir notas fiscais, no entanto, também traz deveres”.

O músico assinala que a cultura da integração, tão importante para a economia da cultura, não funciona apenas internamente. O baixista ressalta que a trajetória da banda se constrói por meio das mais diversas parcerias, com gravadora, poder público, universidades, empresas, produtores e instituições da sociedade civil. “A base do entendimento da economia criativa é que você não opera como agente isolado no mercado e sim como parte de uma rede com figuras interdependentes”, observa Pedroza. “Essa relação é muito importante. As parcerias são a forma de nos conectarmos. Cada um tem o seu papel, porém, neste sistema, ninguém existe sem o outro”, destaca.

Neste contexto, o membro dos Móveis considera fundamental o apoio das diversas esferas públicas aos setores de economia da cultura e criativa. “O Estado desempenha um papel imprescindível para criar condições de sustentabilidade aos empreendedores e multiplicar soluções que ajudem a organizar essas pessoas, como os arranjos produtivos locais (APLs)”, exemplifica.

Maior presença do Estado

Compositor, violonista, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e articulador da Política Nacional das Artes (PNA), Cacá Machado considera que o poder público precisa ampliar sua presença institucional na música. Segundo ele, seria uma forma de apoiar a maioria dos artistas brasileiros, que trabalham à margem das grandes gravadoras. “Essa atuação ainda é pequena se comparada à grandeza simbólica e econômica da música”, observa.

Na visão de Cacá, o segmento está desregulamentado, exceção a poucas entidades privadas que não agem necessariamente pelo interesse geral dos artistas. “Ainda que este setor se movimente sozinho, precisamos pensar qual a função do governo para potencializar a área”, diz Cacá Machado.

O articulador da PNA lembra que, a partir do final da década de 90, o mercado fonográfico no mundo inteiro passou por profundas mudanças, com a entrada em cena da cultura digital. Por meio da internet, artistas antes excluídos dos meios de produção ganharam um novo canal para gravar, distribuir e divulgar sua obra. “Saímos de um modelo fordista, excludente, para um mundo novo, que ainda tentamos compreender. No Brasil, há experiências espetaculares que vingaram, como o tecnobrega da região Norte e uma cena jovem de rock que explodiu em festivais de música”, exemplifica Cacá.

Na visão do articulador da PNA, essa nova geração de músicos depende da presença do estado, por meio da regulamentação e de incentivos, para conseguir competir com as corporações multinacionais de entretenimento. “As majors sofreram um baque grande por conta de questões como o download e a pirataria, entretanto, elas conseguiram se reinventar ao se associarem aos grandes provedores de conteúdo, como os serviços de streaming”, assinala. “Mesmo ganhando menos dinheiro hoje do que no século XX, elas construíram um patrimônio muito sólido. O fonograma é propriedade dessas empresas e continuará sendo nas próximas décadas”, afirma Cacá.

Machado destaca que, na atualidade, as grandes gravadoras se tornaram essencialmente gestoras desses arquivos, deixando de descobrir novos artistas. “As cenas acontecem para valer no mercado independente”, assinala.

Cacá Machado ressalta que o governo já possui indicadores para apresentar uma proposta concreta para a economia da música, que está sendo delineada pelo Ministério da Cultura em diálogo com os representantes do segmento. Ele inclui na agenda questões como a reforma da Lei do Direito Autoral e a criação de uma autarquia que seja responsável pela área de música no governo federal.

Ações do Ministério

O MinC realiza uma série de iniciativas para dar visibilidade e um caráter mais concreto à dimensão econômica da cultura. O órgão atua para consolidar uma agenda em torno do tema, que apresente os desafios a serem enfrentados e as metas que se pretende atingir.

Nessa perspectiva, foi criado em 2015 o Comitê Ministerial de Economia da Cultura (CMEC), que coordena dentro do MinC as ações da área. O CMEC é a instância responsável pela estruturação do Programa Nacional de Economia da Cultura (PNEC) e pela definição e qualificação de políticas públicas que envolvam a pasta e sua parceria com outras agendas do governo federal e sociedade civil.

Segundo o secretário de Políticas Culturais do MinC, Guilherme Varella, a Economia da Cultura está na agenda central do MinC, o que se evidencia pela criação do CMEC. “Nesse comitê, estamos desenvolvendo estratégias e políticas para cada uma das agendas do Sistema MinC que se relacionam com economia da cultura, como música, teatro, patrimônio, museus e diversidade, de forma a estruturar o PNEC, que está em fase de desenvolvimento”, observa Varella.

O secretário conta que, dentro dessas prioridades, o Ministério tem tratado das agendas setoriais de Economia da Cultura. “Queremos encontrar soluções concretas e rápidas para questões e demandas do setor. A partir disso, em um primeiro plano, estamos tratando de estratégias para a Economia da Música e do Teatro, assim como a dos Games, do Patrimônio e dos Centros Históricos das Cidades”, explica Guilherme Varella.

Para o coordenador-geral de Ações Empreendedoras do MinC, Gustavo Vidigal, ao se falar sobre Economia da Cultura, há o desafio de se repensar continuamente o papel do estado e seus mecanismos de intervenção. “Nossa intenção é assegurar o pleno exercício dos direitos culturais, orquestrando a perspectiva do acesso, da criação e da própria identidade”, afirma.

No marco do Programa Nacional de Economia da Cultura e da Política Nacional das Artes (PNA), o MinC já discute, em parceria com a Fundação Nacional de Artes (Funarte), a Estratégia de Economia da Música, que terá ações de natureza regulatória e de fomento, com pesquisa, formação e financiamento. A intenção é dinamizar as cadeias produtivas estratégicas da música brasileira.

O apoio aos empreendedores dos segmentos da Economia da Cultura constitui um dos instrumentos da Secretaria de Políticas Culturais (SPC) do MinC para fortalecer esse campo. Um dos meios para essa finalidade é o Programa de Incubadoras do Brasil Criativo. São centros que funcionam pela parceria com secretarias de Cultura de dez estados. Nesses ambientes, são oferecidas capacitações a quem atua com Economia da Cultura nos mais diversos aspectos da gestão, como finanças, marketing e inovação. Além disso, há possibilidade de intercâmbio de informações entre os participantes, de circulação de bens culturais e de acesso de instituições como universidades, bancos e agências de fomento. Em 2015, as incubadoras realizaram mais de 25 mil atendimentos.

Arranjos Produtivos Locais Intensivos em Cultura

Outra experiência que conta com a presença do MinC são os Arranjos Produtivos Locais Intensivos em Cultura. Já consolidados em outros setores do mercado, como calçados, agronegócios e tecnologia, na cultura, os APLs oferecem um sistema em que um grupo de empreendedores trabalha em cooperação e com o suporte do poder público e de entidades privadas. O MinC apoia 27 Arranjos Produtivos Locais em 20 unidades da Federação, divididos em cinco segmentos criativos: Artes de Espetáculo; Artesanato; Moda e Confecções; Turismo Cultural e, finalmente, Audiovisual, Design e Games. As ações têm como objetivo estimular processos de desenvolvimento por meio da promoção da competitividade e da sustentabilidade dos empreendimentos no território. Entre os projetos desenvolvidos na esfera dos APLs estão o Territórios Criativos Indígenas: Arte e Sustentabilidade, que, a partir de cooperação com a Universidade Federal do Mato Grosso, promove capacitações em produção, divulgação e comercialização de bens e serviços de quatro povos indígenas no estado.

Além do apoio direto ao empreendedorismo cultural, o MinC também aposta na produção e difusão de estudos e pesquisas sobre o segmento, além de promover o debate entre estudiosos, especialistas, agentes governamentais e representantes do setor. A Rede de Observatórios Estaduais de Economia Criativa (OBECs) desenvolve atualmente mais de 80 pesquisas com essa perspectiva. A Rede Recria, em processo de estruturação, tem objetivo de avaliar o impacto da economia da cultura e criativa na sociedade, mas também de reunir conhecimentos estratégicos que contribuam para a formulação de políticas públicas. Os OBECs existem por meio da parceria do Ministério da Cultura com seis universidades federais na Bahia, Amazonas, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Goiás e Rio Grande do Sul.

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Texto e Fonte: Marcelo Araújo/Secretaria de Políticas Culturais/Ministério da Cultura