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Ao longo da vida, a professora Candice Assunção, deficiente visual, aprendeu a driblar as barreiras de falta de acessibilidade para ler e conquistou, neste ano, o doutorado em linguística pela Universidade de Brasília (UnB). O método? Ela mesma adaptava os livros. “A gente quebrava as barreiras. Muitas vezes era o meu pai que lia, em outras circunstâncias, alguém escaneava o livro todo para mim e, por meio de um programa do Word, o documento era lido”, lembra Candice. “A acessibilidade para obras é ainda muito restrita”, lamenta.

Candice não é a única a enfrentar esses problemas em prol de maior acesso à informação e à educação. De acordo com o último Censo, realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), só no Brasil, há mais de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual, sendo 582 mil cegas e seis milhões com baixa visão. Essas pessoas, como Candice, não têm fácil acesso a textos, ilustrações, por exemplo.

Para fazer frente a essa realidade no Brasil e no mundo, foi firmado, em 2013, o Tratado de Marraqueche, que visa facilitar o acesso de pessoas com deficiência visual a obras. O acordo entrou em vigor nesta sexta-feira (30). A perspectiva é de que mais de 300 milhões de pessoas com deficiência visual sejam beneficiadas.

Ratificado por 20 países, o Tratado foi assinado durante reunião da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) em Marraqueche, no Marrocos. A proposta do texto foi de autoria do Brasil, em parceria com Paraguai e Equador. O tratado entrou em vigor apenas neste ano por depender da ratificação de 20 países, ocorrida no último mês de junho, com a adesão do Canadá.

O objetivo do Tratado de Marraqueche é atuar no combate à escassez de obras publicadas em formatos adequados ao uso de pessoas com deficiência visual, promovendo, assim, igualdade de oportunidades. Segundo o secretário de Economia da Cultura do Ministério da Cultura (MinC), Cláudio Lins de Vasconcelos, o acordo permite a livre reprodução de obras em formato acessível a esse público específico, desde que não haja finalidade lucrativa e que não se prejudique a exploração normal da obra.

“Hoje, menos de 1% das obras publicadas no mundo é convertido em formatos acessíveis a pessoas com deficiência visual. Essa realidade não é diferente no Brasil e constitui uma barreira quase intransponível para o acesso de muitas pessoas a textos essenciais para sua formação educacional e pleno desenvolvimento intelectual”, destaca Vasconcelos.

Segundo o secretário, para as pessoas com deficiência visual, o Tratado de Marraqueche representa uma nova oportunidade de acesso à cultura. Mas os produtores culturais também podem se beneficiar no longo prazo, a partir da melhora das perspectivas econômicas do setor. “Hoje, a maioria dessas pessoas está excluída, ou quase isso, do consumo cultural. O acesso à literatura e à arte lhes dará novas referências, que as levarão a outras experiências culturais”, afirma Vasconcelos.

Do ponto de vista do direito autoral, o diretor do Departamento de Direitos Intelectuais do MinC, Rodolfo Tamanaha, destaca que o Brasil vem estabelecendo um diálogo com as associações representativas dos cegos e pessoas com dificuldade de visão. “Conhecendo as demandas desse segmento tão sensível, estamos procurando as associações, de forma a entender seus clamores e assimilar seus pleitos. O esforço do Brasil em colaborar para a formalização desse Tratado foi fundamental”, afirma. “Ao fornecer limitações justas ou exceções aos direitos de autor para os cegos e deficientes visuais, o Tratado facilita a produção e a distribuição de obras em formatos acessíveis, sem reduzir os direitos legítimos dos criadores”, completa.

Protagonismo brasileiro

Em consequência do protagonismo exercido pelo Brasil no desenvolvimento, negociação e proposição do texto do Tratado, o ministro da Cultura, Marcelo Calero, presidirá a primeira Assembleia das Partes do Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso às Obras Publicadas às Pessoas Cegas, com Deficiência Visual ou com Outras Dificuldades para Aceder ao Texto Impresso. O evento ocorrerá em 5 de outubro na sede da OMPI, em Genebra, na Suíça.

“A Assembleia vai definir o rumo que os países querem dar ao tratado, os mecanismos de monitoramento, a internalização das políticas das diretrizes do Tratado em políticas públicas e legislações nacionais”, explica Adam Jayme de Oliveira Muniz, diretor do Departamento de Promoção internacional do MinC.

De acordo com dados da União Mundial de Cegos, menos de 10% das obras intelectuais estão disponíveis em formatos acessíveis. “As consequências foram exclusão social e desigualdade”, lamentou Tamanaha.

Fonte e texto: Assessoria de Comunicação/Ministério da Cultura