Você está aqui:

17.12.2015 – 18:46

O consultor da OMPI Rafael Ferraz Vazquez explica que atuação da organização irá além de ser fórum de discussão em propriedade intelectual (Foto: Lia de Paula)

O combate à “fome de livros” e a possibilidade do intercâmbio de obras entre os países lusófonos foram pontos de destaque durante a manhã desta quinta-feira (17) n. Aberto ao público, o evento foi realizado pelo Ministério da Cultura – por meio da Diretoria de Direitos Intelectuais (DDI) – e pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI).

O Tratado de Marraqueche foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro com o status de Emenda Constitucional e assinado pela presidente Dilma Rousseff no início deste mês. As nações que aderirem ao acordo se comprometem a criar dispositivos na legislação para que diversas obras protegidas por direito autoral, tais como livros e outros materiais em formato de texto e ilustrações correlatas, possam ser reproduzidas e distribuídas em formatos acessíveis, como o Braille, Daisy ou mesmo em audiolivro, sem a necessidade de autorização do titular de direitos autorais.

O desafio, agora, é fazer o Tratado dar resultados. O Brasil foi o 13ª país – e o primeiro de língua portuguesa – a ratificar o acordo, que ainda depende da assinatura de outros sete países para passar a valer. Até o momento, já estão nesta condição: Argentina, Austrália, Brasil, Coreia do Sul, El Salvador, Emirados Árabes Unidos, Índia, Mali, México, Mongólia, Paraguai, Cingapura e Uruguai. Marrocos e Peru já aprovaram o tratado pelos trâmites internos de seus países, mas ainda falta o depósito da carta de ratificação junto à OMPI.

A perspectiva é de que, com o tratado em vigor, mais de 300 milhões de pessoas com deficiência visual sejam beneficiadas. De acordo com o último Censo, realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), só no Brasil, há mais de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual, sendo 582 mil cegas e seis milhões com baixa visão.

“No início de 2016, vamos formar um grupo de trabalho para discutir a incorporação do Tratado na revisão da Lei de Direitos Autorais e sua implementação no Brasil. Temos também muita expectativa da relação que possa vir a ter a entrada em vigor da lei de inclusão da pessoa com deficiência, que trará aspectos complementares ao tratado e ampliará substancialmente o volume de obras que teremos disponíveis em formato acessível”, explicou o diretor da DDI, Marcos Souza.

Maior circulação

A língua portuguesa é outro fator de destaque na discussão da implementação do Tratado de Marraqueche. Num contexto em que poucos livros são disponibilizados em formatos acessíveis, o Tratado possibilitará o trânsito transfronteiriço das obras – os países que aderirem ao tratado internacional poderão compartilhar textos que já foram transformados em formato acessível.

Motivos pelos quais o presidente da Organização de Cegos do Brasil, Moisés Bauer, comemora a ratificação do tratado pelo Brasil: “Ao mesmo tempo em que estamos muito felizes pelo fato de o Brasil ser o primeiro país lusófono a ratificar o tratado, nos é apresentado um esforço maior para que consigamos avançar com o tratado junto a Portugal e países africanos. Poderemos contribuir com nossos irmãos de língua portuguesa da África, que em grande maioria vive em situação de vulnerabilidade”.

Segundo dados da Organização Mundial do Comércio (OMC), 90% das pessoas com deficiência visual residem em países em desenvolvimento. Considerando que livros e outros conteúdos impressos são fundamentais na participação da vida coletiva, o acesso a esses bens culturais é importante para promover condições sociais, políticas e econômicas para o desenvolvimento humano.
Acessibilidade
Existem vários tipos de formato acessível – como, por exemplo, Braille, livros em áudio, livros digitais. No Brasil, há apenas duas instituições que produzem livros em formatos acessíveis, uma dela é o Instituto Benjamin Constant (IBC), que participou da conferência.

Parte relevante das barreiras existentes à produção de formatos acessíveis é o alto custo em produzi-los. É neste ponto que o Tratado de Marraqueche influencia consideravelmente, ao desobrigar o pagamento de direitos de autor à produção acessível. “A produção de livros acessíveis é muito difícil porque as leis de direitos autorais cerceiam muito o processo, que demanda tempo e dinheiro”, pontua Elise Borba do ICB.

Esta é a primeira vez que o sistema internacional de propriedade intelectual dialoga com o sistema internacional de direitos humanos, permitindo que a propriedade intelectual deixe de ser uma barreira para o acesso das pessoas com deficiência à produção em formato de texto. Segundo o consultor da OMPI Rafael Vazquez, a organização internacional, “além de atuar como fórum de discussão em propriedade intelectual continuará facilitando a discussão entre os estados membros”.

Texto: Lara Aliano
Assessoria de Comunicação
Ministério da Cultura