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Número indica melhora na produção, mas alerta para outros desafios do setor

Uma marca que não é alcançada pelo cinema brasileiro desde 1986 pode ser quebrada em 2013: o lançamento de mais de 100 longas-metragens nacionais em salas de cinema. Nos últimos dez anos, entre 2003 e 2012, a média de lançamentos foi de 71 obras. O número de 100 filmes, que seria alcançado segundo uma previsão da Agência Nacional de Cinema (Ancine), portanto, significaria um avanço para a capacidade de produção nacional, deficiente em anos recentes; mas, de acordo com membros do mercado audiovisual, serviria também para evidenciar outros problemas, como a falta de competitividade.

O que vinha acontecendo até aqui é que a disputa por espaço nas salas com os blockbusters internacionais e os limitados recursos para a produção sempre impediram voos maiores. Mas em 2013 tem sido diferente. Até agora, foram lançados 45 filmes com produção ou coprodução brasileira nas salas de cinema — os últimos, que estrearam sexta, foram “As hiper mulheres”, “Mundo invisível”, “Odeio o dia dos namorados” e “Réquiem para Laura Martin”. Já no fim do mês, quando o ano estiver exatamente na metade, a previsão é que esse número deve chegar a 55 lançamentos.

— Já temos, até agora, mais filmes nacionais lançados em 2013 do que o número total de 2003 (quando 30 filmes brasileiros chegaram às telas) — diz Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine. — Devemos chegar aos 100 longas-metragens porque amadurecemos. Temos uma produção diversificada e mecanismos para incentivar essa produção.

Fundo Setorial do Audiovisual

O principal mecanismo que vem alavancando a produção dos filmes nacionais é o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), um programa do governo que investiu R$ 200 milhões na produção e distribuição de 221 projetos nos últimos quatro anos. Dos 82 filmes brasileiros lançados em 2012, 17 receberam aportes do FSA.

— Tivemos há alguns anos uma preocupação quando as estatais diminuíram seus investimentos, mas o Fundo Setorial resolveu esse problema — explica Paulo Sérgio Almeida, diretor do portal de análise de mercado Filme B. — Foi um longo caminho até chegarmos a este momento, com muitas possibilidades para os produtores captarem recursos para produzir seus filmes. Mas chegamos. E minha impressão é que 2013 representa uma virada para o mercado.
Almeida, porém, diz que ainda é incerto o número de filmes nacionais para este ano:

— Muitos deles permanecem sem data definida e podem ser empurrados para 2014. Mas, mesmo que não passemos de 100, a tendência é que tenhamos um ano de boas bilheterias para o cinema nacional. Pela primeira vez desde a Retomada o cinema brasileiro está com uma perspectiva de sucesso a longo prazo.

Desde o ano passado, um fenômeno que vem chamando atenção do mercado nacional é o sucesso de bilheteria e também a produção em série de comédias. Os maiores públicos de 2013 entre os filmes brasileiros são, até agora, “De pernas por ar 2” (4,8 milhões de espectadores) e “Vai que dá certo” (2,7 milhões). Mas houve, no último mês, um indício de que o bom resultado do cinema pode se estender para outros tipos de longas-metragens, com a descoberta de um novo gênero: o “Legião Urbana movie”. O mercado comemorou os desempenhos de “Somos tão jovens” (visto por mais de 1,7 milhões de pessoas nas seis semanas em que está em cartaz) e “Faroeste caboclo” (que estreou há uma semana e fez 555 mil espectadores em seus primeiros cinco dias de exibição).

— Esse aumento na produção é sensacional, mostra que temos pluralidade e possibilidades para o cinema. Mas, olhando por outro lado, aponta para a angústia do baixo número de salas — diz a produtora Mariza Leão, responsável por obras como “De pernas pro ar 2” e “Vendo ou alugo”. — Não adianta ter uma indústria automobilística se não houver estrada para os carros andarem. É o que acontece aqui. Temos filmes, mas não temos onde exibi-los. O que está acontecendo é uma canibalização do mercado, porque os filmes não têm tempo de permanecer nas salas. Um longa que poderia ter um lançamento mais bacana fica espremido.

Cerca de 2.500 salas no Brasil

Hoje, há cerca de 2.500 salas no Brasil, um número considerado baixíssimo até por quem não entende nada de cinema, mas acompanhou o sucessivo fechamento delas entre os anos 1980 e 90 — num período em que os investimentos do governo na produção foram cortados devido ao fim da antiga empresa estatal Embrafilme e a produção nacional chegou quase a zero.

As comparações com o passado ainda são mais perversas por conta do número de habitantes do país. Em 1979, por exemplo, o Brasil tinha cerca de 2.900 salas, uma população de pouco mais de 90 milhões de pessoas e lançou 104 produções nacionais. Hoje, o número é menor, e a população é de mais de 190 milhões de habitantes.

O governo já criou programas para desonerar e financiar a compra de equipamentos para novas salas — e também para a digitalização, outro processo em que o país também está atrasado, com apenas 800 salas que abandonaram o sistema analógico. Mas a mudança tem sido, até aqui, lenta. Por isso, para muitos, a celebração dos 100 filmes é apenas uma etapa do que o cinema brasileiro ainda precisa enfrentar.

— É relevante, sim, o Brasil ter a capacidade de produzir mais de 100 filmes por ano. Mas seria necessário pensar numa forma inovadora de difusão dessa produção, pois o modelo convencional não tem condições de absorvê-la — diz Marcelo França Mendes, diretor-presidente do Grupo Estação. — Grande parte dos filmes produzidos é documentário, que encontraria um público muito mais interessado em lugares como universidades e escolas. Um filme como “O dia que durou 21 anos”, por exemplo, deveria ser visto por literalmente milhões de jovens. Apesar de fazer uma carreira acima da média nas salas, filmes como esse seriam melhor aproveitados se o Brasil tivesse, por exemplo, cinemas em escolas e universidades, que poderiam ser feitos a custo muito baixo.

Fonte: FNDC